quarta-feira, dezembro 24, 2014

Adolfo e a curra do jornalismo tradicional




Adolfo Sá escreve muito.
Manja o sujeito que voce pede pra escrever uma frase e ele imprime 14 páginas de texto impecável ?
Voce não conhece ele porque o cabra vem de Sergipe e o mundo do surfe vai, no máximo, do extremo sul até a capital do Rio de Janeiro.
O nordeste é solenemente ignorado pelas revistas de surfe, salve raríssimas exceções que justificam a regra.
Adolfo tem um blog chamado Viva La Brasa que vai virar livro em breve e ninguém ao sul de Aracaju vai sequer saber que existiu.
Leio o Viva la Brasa desde 2006 ou 2007 avidamente, nada que se publica ali é raso, quando Adolfo resolve mergulhar num assunto, vai de garrafa e tudo - com trocadilho.
O Cartunista Allan Sieber foi quem me apresentou ao Adolfo, jornalista de guerrilha que me identifiquei na mesma hora.
Suas entrevistas são longas e curiosas como conversas de botequim e os perfis que Adolfo cisma de fazer de vez em quando tem um fôlego absurdo de pesquisa.
O que o Viva la Brasa publicava não tem nada parecido na nossa imprensa chapa branca tupiniquim.
Binho Nunes foi o escolhido para um dos extensos papos em 2009, as respostas são tão antológicas quanto as perguntas,

Adolfo - Você foi convidado para competir na etapa final do mundial, o Pipe Masters. Neste evento, Kelly Slater garantiu seu 4º título mundial ao vencer uma semifinal histórica contra Rob Machado, Mark Occhilupo começou sua volta por cima ao chegar na final depois de passar pelas triagens, e vc foi mais uma vez o azarão, roubando o show nas primeiras fases p/ terminar o evento em 9º lugar. Foi a única oportunidade que vc teve na vida de disputar o Masters, certo?

Binho - Sim, foi minha única oportunidade e assim que recebi o convite pulei dentro; em 95 eu estava morando no Hawaii, já tinha feito semifinal em Sunset e estava bem seguro, nunca achei Pipe perigoso porque nunca tinha parado pra pensar nas pedras afiadas que tem no fundo, coisas de moleque querendo mudar o mundo...
Então fui que fui, morava numa casa cheia de amigos, queria mudar os parâmetros do surf brasileiro, achava todo mundo careta e com um surf antiquado, então agarrei essa chance com unhas e dentes, surfei Pipe com prancha bem menor do que a dos caras que estavam na competição, fiquei orgulhoso por ter passado pelo Taylor Knox na primeira fase e pelo Jeff Booth na segunda, perdi pro Derek Ho que tirou um 10 e um 9... Mas saí da água como se tivesse ganho a bateria, o locutor me comparou ao Tom Carroll naquelas condições, pois dei uma rasgada embaixo do lip que a praia toda gritou quando desapareci e depois apareci no meio da espuma branca gigante... Tá certo que o locutor babou meu ovo me comparando ao Tom Carroll... Sei que estava bem longe das atuações dele e nunca vou chegar lá... Mas a comparação me abriu grandes portas no outside de Pipe, valeu locutor!

Ainda hoje fico arrepiado lendo uma entrevista dessas.
Adolfo também desenha suas histórias em quadrinho e adora escrever sobre musica.
Sou capaz de ficar horas passeando pelo Viva la Brasa, lendo e relendo os artigos - com títulos geniais, como Uma onda, Uma bunda, sobre os anúncios da Reef  -  que Adolfo escreve e mal posso esperar pelo seu livro.
Ainda me choca um pouco o fato do nordeste ser encarado como gueto aqui pela turma do sul maravilha.
Para os cariocas, passou de Campos é tudo paraíba e pros paulistas, qualquer um em cima do Rio já é baiano.
Pergunte das ondas nordestinas numa roda de amigos e ouça as gargalhadas soar forte e piadinhas aflorar sem cerimônia.
O desconhecimento é sem fim.
Possivelmente, a região nordeste é a que tem ondas de melhor qualidade em todo Brasil e nem incluo Fernando de Noronha nesse balaio.
Falo apenas dos fundos de pedra espalhados desde o Norte do Espírito Santo até lá em cima no Pará.
Sabendo que não há interesse nenhum nos seus surfistas e nas suas ondas, o Nordeste criou sua própria rede de comunicação e se auto-sustenta sem precisar de revistas, sites ou canais de TV caolhos.
Até mesmo as marcas que imperam no Nordeste vendem quase exclusivamente naquele mercado.
Pena que não haja curiosidade no que se passa nas praias de cima do litoral brasileiro.
Nossa primeira grande estrela de repercussão internacional veio lá da Paraíba, Fábio Gouveia, até hoje um dos surfistas mais carismáticos de toda história - e não me refiro exclusivamente ao Brasil.
Chico Padilha, outro paraíba de memória inesgotável e cultura bem acima da média, não cansa de nos alertar que toda hora surge um talento em algum canto de cima.
Carlos Burle, Jadson André, Eraldo Gueiros, Heitor Alves, Danilo Couto… Ia faltar espaço pra citar um pedacinho pequeno da história do surfe nordestino.
Por enquanto, fico feliz de saber que Adolfo Sá, cabra arretado de bom, vai lançar seu livro e desde já exijo que o leitor se esforce um bocadinho para achar o Viva la Brasa e invista algumas horas de leitura.
Satisfação garantida ou seu dinheiro de volta.



VIVA LA BRASA from Viva La Brasa on Vimeo.

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